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segunda-feira, 16 de março de 2015

Duas breves observações sobre as manifestações de 15/03

FATO – Nós, da esquerda anticapitalista, precisamos entender as manifestações de ontem para intervir e confrontar ideias e práticas. Porém, precisamos ter cuidado para não pintar o demônio ainda mais feio do que ele já é – porque, convenhamos, o bicho é feio! TFP, maçonaria, protofascistas, viúvas da ditadura, golpistas, moralistas religiosos e laicos, direitistas convictos, extrema-direita, preconceituosos de todos os matizes e muitos “ingênuos úteis” protagonizaram as imensas manifestações de ontem (misto de protesto com passeio de domingo). Manifestações que, entre algumas motivações legítimas e muitas bandeiras reacionárias e bisonhas, trouxeram à praça pública sentimentos, ideias e valores difusos, confusos e sem propostas/caminhos resolutivos; e, em seu bojo, expuseram e alimentaram os mais ignóbeis preconceitos de classe. Motivos para isso? Há muitos, como, por exemplo, a politização perversa promovida pelo PT nos anos de governo federal, donde a concessão aos mais pobres teve como moeda de troca o passivo apoio eleitoral e o abandono das ruas e, para a burocracia sindical e outros movimentos, a falência da organização nos locais de trabalho, da base. Estes são motivos que cresceram assustadoramente na última década e meia. Há, porém, motivos históricos, estruturais. Dentre eles, o principal talvez seja que, num país de passado escravocrata e caracterizado pela mais do que secular e renitente desqualificação política dos populares pelos membros das classes dominantes e médias, não há como negar que, por trás da aversão ao PT – por mais legítimas que sejam certas críticas e desconfianças –, palpita o mal-estar e a aversão que estas classes nutrem aos trabalhadores pobres e, mais recentemente, à sua pequena ascensão econômica, que teve como resultado sua maior presença/ocupação em espaços públicos e privados. Além, é claro, de um longo e entranhado anticomunismo. Pois, afinal, devido à origem, muitos e muitos supõem – alguns, mais inteligentes e desprovidos de integridade, veem funcionalidade política em confundir – que o PT seja um partido de esquerda e, portanto, comunista.

QUESTÃO – Essas manifestações, longe de terem sido obra da manipulação dos meios de comunicação e da conspiração imperialista (como insistem muitos petistas) – embora, como sempre ocorre quando a direita se move, esses elementos estivessem presentes –, foram, em sua composição variada, formadas primordialmente por profissionais liberais, pequeno-burgueses, assalariados de médio e alto escalão e funcionários públicos (com participação, ainda que baixíssima, de trabalhadores pobres – ou seja, a massa da periferia das cidades brasileiras). Nisso, eis um aspecto que pode tornar o bicho menos medonho: tínhamos homens e mulheres insatisfeitos com a corrupção e a falta de transparência das instituições e, também, com a política econômica. Ou seja, os problemas que alimentam o descontentamento e, de algum modo, compõem a carga de motivos que os empurraram às ruas não são apenas reais, mas, sob diversos aspectos, são também confluentes àqueles que assolam a massa do compósito proletariado brasileiro (urbano e rural). Por conseguinte, ainda que eles estejam embrenhados em ideias e valores da ideologia burguesa (em seu amplo espectro de matizes), não se pode considerar que façam parte de um campo em que não há mais disputas a serem travadas. Ao contrário, a unidade dos diversos segmentos sociais que compõem essas manifestações não vai se sustentar quando as reivindicações deixarem o campo etéreo e difuso da luta contra a corrupção e aterrissarem no campo concreto das disputas materiais. Isto ainda não aconteceu, mas é inevitável que ocorra. E, quando ocorrer, a luta de classes, envolvida (e escondida) pelo confuso biombo da disputa entre petistas e antipetistas, exigirá posicionamentos muito mais consistentes e concretos das direções sindicais e políticas.
Dentre outros motivos, sua emersão ao primeiro plano da luta política é inevitável porque o governo Dilma fará nova guinada à direita, aprofundando as medidas de ajuste fiscal e recessivas para apaziguar os ânimos dos capitalistas (nacionais e estrangeiros) – ou seja, apertará o arrocho sobre os trabalhadores. Parte dos que saíram às ruas ontem, sem ter clara consciência disso, gostariam que o governo atuasse na direção contrária – embora, é claro, não saibam quem poderá fazê-lo –, pois medidas dessa natureza os prejudicam. Portanto, quando essa unidade se esboroar, a desorientação resultante terá que ser preenchida pelo esclarecimento e a apresentação de alternativas reais, concretas, para os graves problemas do país; ou seja, medidas que, ancoradas nas lutas concretas, afetem a materialidade primordial da nossa existência social – a estrutura econômica e suas formas de propriedade. Eis uma tarefa para todos nós: construir uma plataforma unitária que sirva como polo aglutinador e incentivador de lutas sociopolíticas orientadas pelas demandas do trabalho.