Para
muitos – alguns diriam, os mais sensatos e informados –, essa pergunta deveria
ter uma resposta óbvia: Não! Isso porque não há dúvida de que petistas
cometeram graves delitos em órgãos e empresas estatais. Negar essa apropriação
indevida de dinheiro público seria expressão de uma cegueira não apenas ante os
argumentos daqueles que se opõem ao governo e ao partido, mas aos próprios
fatos e, em termos pessoais, uma desqualificação infundada dos oponentes. Outra
parcela, menos expressiva e ocupando uma posição à esquerda no espectro sociopolítico,
também considera que não se deve votar em Dilma porque, há muito tempo, o PT tornou-se
um dos partidos da ordem, cujas ideias e ações convergem, de modo geral, às das
classes dominantes. Para mim, não resta dúvida de que essas duas afirmações são
verdadeiras. Como se sabe, muitos defensores do governo e do PT negam uma, outra
ou, ainda, as duas. Seriam eles iludidos, equivocados, acríticos ou
interessados? Não trataremos, aqui, desta questão. Isso não porque ela seja de pouca
importância, mas porque a reflexão que se desenvolve aqui tem outro objetivo,
que é apenas responder à pergunta acima: – “Você vai votar na Dilma?”
Para
respondê-la, é necessário destacar que, diante dos fatos incontestáveis acima
descritos e em meio a indefinições relativas às medidas necessárias para a
superação da crise econômica (embora, diga-se, uma crise que não é somente
nacional, mas mundial), eu, se fosse um dos membros da classe dominante – e, é
claro, dependendo de qual fração dessa classe fosse –, estaria pensando
seriamente em votar em Aécio (na verdade, é bastante provável que já tivesse me
decidido). Não porque, em razão desta condição social, eu me consideraria
inteligente ou teria uma escolaridade acima da média (e, portanto, não seria
“desinformado”), mas porque, em termos puramente pragmáticos, meu interesse
mais fundamental estaria em jogo – o bolso. Ou melhor, não só o meu interesse,
mas o interesse de tantos outros
iguais a mim – ou seja, cerca 0,5 % da população brasileira.
Estar
no topo da pirâmide social, porém, é algo muito pouco provável (em percentuais,
tão pouco quanto, partindo de baixo, chegar até ele). E, sabendo disso, observo
um paradoxo interessante: das pessoas que conheço e que defendem tanto a
existência da desigualdade social quanto a ascensão pelo mérito, são raras as
que ascenderam nessa pirâmide – se é que conheço alguma que, estando lá hoje,
não estava desde quando nasceu. Decerto, alguns poderiam simplesmente dizer que
é tudo uma questão de tempo. No entanto, como eu e meus amigos não somos propriamente
novos, nós, talvez, simplesmente não sejamos inteligentes e/ou não nos tenhamos
nos dedicado ou nos sacrificado o suficiente para este qualitativo salto social.
Mas, deixando de lado as profundezas dos motivos e ignorâncias individuais – ainda
que, cada um tendo seu próprio motivo, o fato coletivo é que são raros os
vitoriosos na selva do mercado –, é mais adequado (porque é mais provável)
pensar na situação inversa: e se eu estivesse no polo oposto da pirâmide
social? Isto é, e se eu fosse pobre o suficiente para ser membro de uma dessas 20
milhões de famílias que recebem a Bolsa-família ou foram beneficiadas pelo
PROUNI ou, então, pelo programa Minha Casa Minha Vida? E mais, e se, neste
caso, eu também não vislumbrasse qualquer alternativa política e/ou eleitoral mais
consistente e promissora? Confesso que, nesta situação, haveria uma grande
possibilidade de que, mesmo que por motivos puramente pragmáticos, eu votasse
na Dilma. Penso, inclusive, que eu também teria (e tenho) o direito de ser
pragmático. Ou, ao contrário do pragmatismo daquele 0,5%, o meu pragmatismo
seria o resultado da inépcia e da manipulação alheia? Se for isto, por que,
então, o deles é considerado uma manifestação de inteligência? Seria porque, em
razão dos preconceitos reinantes, o único pragmatismo válido é o dos ricos? Sei
lá! Sei apenas que, por motivo semelhante, também votaria na Dilma se fosse um
dos 21 milhões de aposentados que recebem salário mínimo e que, nos últimos 12
anos, tiveram aumento de 70% (em termos reais) em seus rendimentos. E, ainda,
acho que votaria se fosse um dos milhões de trabalhadores assalariados que
ganham salário mínimo (ou próximo dele) e que, num contexto de enormes
dificuldades de organização sindical, tiveram seus rendimentos elevados pela
política de valorização do piso salarial na última década – política, afinal,
dos governos petistas.
Sobre
essas escolhas, eu gostaria de destacar que, com elas, eu não estaria dizendo
(como não estou) que problemas não existem. Na verdade, eles existem, são
muitos e são graves. Sobre isso, basta um breve olhar para a precariedade dos
serviços públicos, da repressão policial e judiciária, das carências materiais
e culturais, da violência urbana e do stress provocado pelo caos cotidiano das
grandes cidades – além, é claro, do mais fundamental de todos, a permanência da
(super)exploração do trabalho. Diante disso, meu voto poderia parecer pura e
simples resignação, pois eu ainda acrescentaria o seguinte fato: esses
problemas não surgiram agora, mas vêm de há muito tempo. Por conseguinte, se
eles perpassam décadas ou séculos, a simples constatação de sua existência não seria
suficiente para me empurrar automaticamente para uma candidatura identificada
com os interesses dos mais ricos. Isso porque, como é até mesmo do saber
infantil, o fato de não gostar muito disso não significa que, inevitavelmente, eu
tenha que gostar daquilo. Em política, neste momento, temos uma situação
parecida: o desgosto em relação a um determinado indivíduo/partido (no caso, Dilma/PT)
não implicaria (e realmente não implica) o desejo de trocá-lo por outro (no
caso, Aécio/PSDB), sobretudo se, em relação aos meus interesses, este outro não
tivesse boas referências e, por isso, não me inspirasse confiança. Pois, aí, não
haveria nenhuma evidência de que ele iria resolver os problemas que aquele não
conseguiu (ou não tentou); pior, ainda poderia colocar em risco algumas das minhas
poucas conquistas.
Em
suma, sem outros mundos/sociedades a vislumbrar, aprisionado ao presente e – por
menores que sejam – temeroso de perder alguns direitos arduamente conquistados,
tais motivos me pareceriam suficientes para, como indivíduo pobre e pragmático,
alicerçar o desejo de manutenção do governo atual. Nesse caso, eu provavelmente
votaria Dilma, votaria 13.
O
fato, porém, é que, para o bem ou para o mal – e, como vimos, de acordo com o
discurso do mérito, por incompetência ou leviandade –, não faço parte daquele
0,5% de endinheirados que, trabalhem ou não, se apropriam da riqueza resultante
do trabalho alheio. Igualmente, também não pertenço aos milhões de brasileiros
pobres que dependem de algum auxílio estatal para satisfazer algumas de suas necessidades
mais básicas. Como tantos milhões de brasileiros, sou daqueles que vivem
somente do próprio trabalho (ou porque vendem a força de trabalho ou, em menor
número, porque trabalham por conta própria) e, ao menos dos listados acima –
isto é, para necessidades básicas –, prescindem do auxílio estatal. Sou, então,
um tipo bastante comum: professor, bancário, funcionário público, técnico em
informática; ou, ainda, tenho algum negócio próprio: sou médico, advogado,
pequeno lojista, dono de boteco. Em suma, estou bastante espalhado por aí e,
ainda, tenho certos meios e capacidades que me qualificam como um “formador de
opinião” – ou seja, alguém capaz de ajudar outras pessoas a se posicionar sobre
certos assuntos.
Sendo,
então, este tipo comum, pergunto: quais motivos eu teria para votar em Aécio? Pelo
que alguns dizem por aí, deveria votar nele porque a corrupção está instalada no
governo atual. Eis, de fato, um bom motivo. No entanto, como sou minimamente
informado, sei de duas coisas importantes que me deixam em dúvida: 1) a
corrupção não é um problema ocasional, fortuito, mas estrutural do nosso país (e
não só), e que, portanto, está inscrita há séculos no modo de organizar e fazer
política. Lembro-me, inclusive, que, desde criança, os noticiários vivem repletos
de casos desta natureza. Os escândalos da época da ditadura (Capemi,
Coroa-Brastel, Lutfalla, Baumgarten, Tucuruí, Banco Econômico, Transamazônica,
Ponte Rio-Niterói) – que, de fato, foram pouco investigados porque, na época,
não existiam, nem formalmente, as tais liberdade de imprensa e independência
dos poderes –, dos governos Sarney, Collor, Itamar e FHC (compra de votos para
reeleição, Marka, Sivam), dentre tantos outros; 2) embora eu seja um tipo comum,
não sou tão ingênuo quanto pareço e, por isso, não creio que um problema com raízes
tão profundas na história e nas instituições do país possa ser resolvido por
declarações de boa vontade de qualquer candidato. Pois, não bastasse o PT,
lembro-me de tantos outros que fizeram promessas idênticas: desde os tempos do
PSD e da UDN e, depois, da abjeta ARENA, passando pelas últimas décadas e
instâncias governamentais, chafurdaram na lama da corrupção praticamente todos
os grandes partidos – PSDB, PP, PMDB, DEM, PSD. E, ainda, me informo sobre os
doadores que financiam as campanhas atuais, que, como sabem, são principalmente
as empreiteiras e os bancos. Diante disso, alguém duvida de que, mais adiante, essas
empresas cobrarão os compromissos daqueles que elas apoiaram? E que, por sua
vez, muitas “excelências” trocarão favores com o executivo (em todas as instâncias)
em prol da famosa governabilidade?
Num
momento de lucidez, abafando a raiva e a intolerância direitista à reflexão,
muitos críticos empedernidos do governo atual poderiam até concordar com minha
argumentação (ou, então, apresentar outros argumentos para a discussão). Mas,
além dos xingamentos corriqueiros, algum deles, com certa razão, poderia dizer:
– “Você deveria votar no Aécio porque a economia vai mal e isto te afeta
diretamente”. De fato, sendo eu esta pessoa comum e pensando de modo
pragmático, eis outro bom motivo pelo qual este candidato poderia levar meu
voto. Porém, como aprendi na escola que se deve cultivar a dúvida, há, no
entanto, mais dois aspectos importantes que me desestimulam a dá-lo: 1) nem
mesmo Poliana sonha que os governos – sejam eles quais forem – têm absoluto
controle sobre os ciclos econômicos. Se fosse assim, o crescimento econômico
seria uma simples questão de vontade e de competência. E, afora certos
comentaristas da CBN e da Globonews, nem o mais inepto dos economistas defenderia
isto; 2) como o crescimento ou a crise econômica não são processos abstratos,
mas concretos, eles podem ocorrer com maiores ou menores consequências sociais
(positivas ou negativas). E, aqui, temos uma situação rara, senão única, na
história brasileira: em razão das políticas públicas de aumento da renda dos
mais pobres, a crise (que não é brasileira, mas mundial) não tem se desdobrado
em taxas elevadas de desemprego (5,8%), como ocorreu nos governos Collor
(1991-2: 7,2%) e FHC (1999:12%; 2002: 12,2%). No mais, como as taxas de
desemprego têm efeitos sobre as relações sociais, eu, mesmo não estando
desempregado, acho que estaria sofrendo mais – com a violência urbana, por
exemplo – se elas estivessem nos níveis da década de 1990.
Outro
motivo ainda poderia me empurrar à urna e votar 45: não a positividade da
candidatura de Aécio, mas, ao contrário, uma negatividade, a minha fúria com a
corrupção e a incompetência dos petistas. No entanto, ocorre que, dada a minha
descrença de que esta situação possa ser alterada por meio de uma simples troca
de governo – esteja Aécio ou qualquer outro no Planalto –, tal voto seria
apenas uma vingança pessoal contra “PTralhas” e “comunistas”. Isso, porém, me
desqualificaria, tendo em vista que estaria esmagando a mesma justiça que
invoco para, com seus critérios equânimes, punir e educar os infratores.
Utilizando-me de dois pesos e duas medidas, estaria, como muitos – inclusive os
que julgo criminosos –, sendo absolutamente falso, um mau caráter. Por isso,
para salvar a minha consciência – e certos direitos dos mais pobres –, jamais
poderia votar em Aécio Neves.
Enfim,
talvez eu não seja tão bem informado quanto algumas pessoas que declaram seus
elevados motivos pelas redes sociais para não votar em Dilma e, em consonância,
resolveram abraçar a causa anticorrupção e, nela, escolher como seu baluarte o
presidenciável Aécio Neves. Argumentos longos e complexos como: “O PT vai
transformar o Brasil numa Cuba!” “Estamos virando uma nova Venezuela!” “Abaixo
a CLT para domésticas!” “Tradição, família e propriedade!” “Abaixo os médicos
cubanos”! “(Ah, estes últimos não valem, pois, se não forem médicos, são
pessoas que têm planos de saúde e, por isso, só procuram o SUS para
procedimentos caros, complexos ou, então, para pegar, gratuitamente,
medicamentos de alto custo). Mas, não sendo tão tosco como alguns supõem, eu,
pelos motivos expostos acima, não estou convencido de que votar em Aécio seja uma
boa opção – isso, talvez, porque sou um tipo comum.