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segunda-feira, 28 de maio de 2018

DE JUNHO/13 A MAIO18: DA DESILUSÃO ÀS NOVAS POSSIBILIDADES

Em 2002, depois de mais de uma década de duras políticas neoliberais concernentes às demandas do capital globalizado e produtivamente reestruturado, políticas patrocinadas pelos governos Collor, Itamar e FHC, o PT ganhou uma eleição presidencial. Equilibrando-se na onda favorável do crescimento da economia mundial e da alta das commodities – ambos baseados na acumulação do capital chinês: um misto de acumulação primitiva e uso intensivo de alta tecnologia –, o governo Lula implementou políticas públicas que, sem afetar o lucro da alta burguesia, distribuiu renda para os mais pobres e estagnou as “classes médias” (trabalhadores mais escolarizados e melhor remunerados, profissionais liberais, pequenos proprietários).

Com a eclosão da crise financeira de 2008 – cujo estopim foi o mercado imobiliário estadunidense – e seu espraiamento pelo mundo, Lula e Dilma tentaram contornar os seus efeitos com o aumento dos gastos públicos e subsídios à produção industrial e agrícola. Por algum tempo, essa equação funcionou, mas sem resolução efetiva dos problemas essenciais da reprodução do capital em terras tupiniquins e, muito menos, das duras condições de vida população trabalhadora. Mas, com a manutenção do núcleo duro das políticas neoliberais (metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário), nenhuma alteração substancial na estrutura produtiva e financeira do país (dependência tecnológica e financeira, legislação tributária concentradora de riqueza, sistema financeiro oligopolizado etc.) e com as políticas públicas desaguando no mercado (PPPs, FIES, entrega das moradias populares às construtoras etc.), se acumularam contradições. Os resultados principais foram a redução da complexidade industrial, o crescente colapso da infraestrutura urbana (superlotação de vias, especulação imobiliária), o incremento das dificuldades da vida cotidiana e/ou expectativas frustradas de ascensão social para grandes parcelas da população.

Em junho de 2013, na fresta aberta pela luta do movimento estudantil contra o aumento das tarifas de ônibus, houve uma explosão de descontentamento que envolveu sobretudo membros das “classes médias” (isto é, das classes/estratos não beneficiados pelas políticas públicas e que foram afetados pelo aumento de custos resultante da pequena melhoria de vida dos mais pobres) e, em quantidades muito menores, trabalhadores pobres e lumpemproletários. Milhões de pessoas saíram às ruas contra a PEC 37 e bandeiras difusas, que, como em outros momentos históricos, confluíam no rechaço à corrupção – ou melhor, contra os corruptos (políticos e funcionários públicos e de empresas estatais), mas com ampla leniência com os corruptores (empresários). Essas mobilizações ocorreram num contexto mundial de crise do capital e, para enfrentá-la, de recrudescimento das políticas neoliberais. E mais, um contexto de crescente oposição e fragilização dos governos não-alinhados a elas (Venezuela, Argentina, Equador, dentre outros). Por aqui, o fortalecimento do moralismo típico de frações das classes médias alimentou o conservadorismo e a oposição ao governo petista. Houve, então, tanto o crescimento do rechaço às ideias, valores e políticos identificados, real ou ficticiamente, com o petismo e a esquerda em geral, quanto a valorização dos movimentos e políticos de direita, sobretudo dos mais abertamente antidemocráticos ou de tendências fascistas.

Nos anos seguintes, sob a maré montante do neoliberalismo e o predomínio das demandas do capital financeiro nacional e internacional, o governo Dilma aderiu à austeridade fiscal para debelar a crise de confiança dos rentistas (corte de gastos e de benefícios – aumentou prazo e diminuiu parcelas do seguro-desemprego). Porém, com histórico duvidoso – certo intervencionismo estatal, combate aos elevados juros bancários, PT como partido protagonista –, baixíssimo apoio no Congresso Nacional (carcomido por interesses privados e imediatos) e acossada por manifestações de rua insufladas pela Operação Lava-jato e seus apoiadores na mídia, a popularidade de Dilma ruiu e, junto com ela, o país mergulhou numa imensa recessão. Por conta disso, em 2016, numa orquestração jurídico-política que foi da ilegalidade ao grotesco, Dilma foi apeada da presidência por um golpe jurídico-parlamentar. Com a sua queda, a ilusão petista (misto de convicção e pragmatismo) de governar em prol dos mais pobres pelos meios (legais e ilegais) da política tradicional e sem atentar contra os interesses da classe dominante se demonstrou inviável e, com ela, a de um “reformismo pelo alto” – isto é, sem mudanças estruturais e sem apoio organizado e ativo das massas populares.

Com Dilma deposta, o governo de Michel Temer se apressou em implementar medidas alinhadas com as demandas do capital, especialmente aquelas de sua fração financeira. Mesmo com baixíssima popularidade, Temer promoveu cortes orçamentários em serviços essenciais e fez aprovar leis para o congelamento dos gastos públicos (com exceção do pagamento de juros da dívida pública) e reformas para retirar direitos trabalhistas (lei da terceirização, mudança na CLT, lei de greve contra os servidores públicos). Não bastasse isso, houve o recrudescimento da repressão aos movimentos sindicais e populares em todos os lugares e esferas de governo. Como desdobramento indesejado, essas medidas tomadas para viabilizar os interesses do rentismo não apenas inviabilizaram qualquer resolução para os problemas que, no governo anterior, já haviam levado ao descontentamento das classes médias e das massas populares, mas os agravaram. 

Logo após o golpe, a corda no pescoço das classes médias ficou depositada na conta dos governos petistas. Mas, com o passar dos meses, a exacerbação da rapina no parlamento, o bate-cabeças no STF – e, de certo modo, no poder judiciário como um todo –, a lentíssima retomada do crescimento econômico, o desemprego estagnado em patamares elevados, a renda em baixa e outros motivos econômicos e políticos alimentaram o combustível que, com a paralisação dos caminhoneiros, colocou novamente as classes médias nas ruas. Dessa vez, no entanto, com certo descolamento da responsabilidade petista. E, para o incômodo de frações das classes médias e das classes dominantes, essa paralisação carrega o potencial de impulsionar mobilizações e greves na classe trabalhadora. 

Por conseguinte, em razão de suas consequências, a mobilização dos caminhoneiros autônomos e das transportadoras abre uma nova conjuntura política no Brasil. Até o momento, tínhamos um governo contestado pela esquerda, mas que contava com apoio explícito da alta burguesia e, passivo – uma espécie de omissão –, das classes médias. De agora em diante, o governo Temer, que, com o engavetamento temporário da “reforma da previdência”, já havia sido duramente golpeado pelos interesses de curto prazo e o crônico fisiologismo dos deputados (preço pago pela burguesia para compor as suas demandas/interesses num arremedo de democracia), pode se tornar um “morto-vivo”. Sem dúvida, as recentes mudanças efetuadas na legislação atenderam a certas demandas do capital financeiro, mas o “cobertor orçamentário” é curto para cobrir as demandas das diversas frações golpistas. Por sua força objetiva e por terem sido duramente afetados pela política da Petrobrás – que, para deleite dos seus acionistas, passou a regular os preços em consonância com os cânones neoliberais e as flutuações do barril de petróleo no mercado internacional e, internamente, do dólar –, caminhoneiros e transportadoras arrancaram concessões do governo e, assim, colocaram nas cordas a sua política fiscal. Isso significa que, além de potencializar a mobilização de outras categorias, as conquistas dessa paralisação dos caminhoneiros arruínam justamente a razão de ser do governo Temer – ou seja, do governo comprometido e capacitado a reformar o Estado em favor do capital financeiro. Em outras palavras, elas comprometeram duramente os motivos pelos quais essa fração da burguesia apoiou Temer e a sua camarilha até o momento. E, mais do que isso, as concessões efetuadas terão como resultado cortes orçamentários que, muito provavelmente, incidirão sobre os serviços públicos destinados às já bastante insatisfeitas e impacientes massas populares – da saúde e educação à previdência. 

Outrossim, no início do seu mandato, a burguesia alinhada em torno da Globo e dos justiceiros da Lava-jato não conseguiu derrubar Temer, mas essa mobilização dos caminhoneiros e transportadoras – e, se ocorrer, a greve dos petroleiros – pode encurralá-lo, derrubando-o ou colocando-o numa condição semelhante aos últimos meses dos governos Sarney e Dilma. Com isso, o cenário instável pode suscitar resoluções inesperadas e/ou extremas. De um improvável renascimento de Lula ou candidaturas à esquerda ao domínio avassalador de Bolsonaro, as possibilidades estão em aberto. Porém, um fortalecimento da classe trabalhadora e de suas lideranças só pode ser vislumbrado com a retomada das ações grevistas, nas ruas. Os verde-amarelos não constituem um bloco homogêneo e não-disputável pela esquerda. Ao contrário, a disputa está em aberto em todos os flancos – para a esquerda, mas também para a direita. Nesse sentido, urge a necessidade de ruptura com as vacilações do peleguismo sindical e do reformismo político e, assim, de construção de um programa econômico que sirva como aglutinador de forças da classe trabalhadora e aproximação com as massas populares em geral. Não se trata de erguer uma bandeira política (eleição, democracia) e, subordinada a ela, algumas ideias econômicas, mas erguer um conjunto coeso de reivindicações econômicas e, subordinada a elas, perscrutar os caminhos políticos viáveis de sua realização.

Por fim, para quem sabia que, em razão do marasmo econômico e das eleições incertas, 2018 seria um ano de fortes emoções políticas, este final do mês de maio, para o bem ou para o mal, tem descortinado um ano de incertezas e emoções muitíssimo maiores. Trata-se, então, de acompanhar atentamente o desenrolar dos acontecimentos e, na medida do possível, intervir para dar-lhe um curso mais concernente aos interesses da classe trabalhadora. E, como sabemos, essa não é uma tarefa fácil.

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